
À mesa não se envelhece
Enquanto cozinham, elas reconstroem pontes. Enquanto servem, também são servidas por algo maior: a certeza de que ainda têm muito a oferecer
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Há frases que nos atravessam pela simplicidade e pelo poder de ressignificação que carregam. “À mesa não se envelhece” é uma delas. No filme Nonnas, essa frase surge em meio a um brinde carregado de memórias, risos e vínculos entre mulheres que compartilham suas histórias por meio da comida, mas também da escuta, da troca e do afeto. A cena evoca uma verdade profunda: envelhecer pode ser uma experiência de conexão, presença e sentido.
Inspirado na história real de Joe Scaravella, o filme narra a criação do restaurante Enoteca Maria, em Nova York, onde inicialmente senhoras italianas cozinhavam os pratos de suas infâncias, homenageando suas raízes e afetos. A motivação de Joe surge após a perda da mãe e da avó, dois lutos que o atravessam, mas também o impulsionam a buscar um novo propósito.
Ao transformar a dor em ação, Joe cria um espaço onde memórias ganham forma e sabor. E o que vemos na tela é mais do que uma história sobre culinária; é uma delicada aula sobre como ressignificar o tempo, os afetos e as fases da vida.
As nonnas, com suas histórias marcadas por perdas, silêncios e transformações, nos mostram que é possível reinventar a própria narrativa, não apenas como mulheres que “foram algo”, mas como mulheres que ainda são, e seguem sendo.
A cozinha, espaço de criação e afeto, torna-se cenário de cura e pertencimento. Entre risadas, segredos, receitas e lembranças, elas constroem laços, compartilham suas histórias, suas sabedorias e resgatam sua utilidade no mundo. O restaurante é mais que um local de trabalho: é travessia. É onde antigas dores se dissolvem no aroma de pratos preparados com amor, e onde novos sentidos de vida florescem.
Cada personagem carrega sua bagagem: o filho que perde a mãe e a avó, mães que se desconectaram dos seus filhos, amores interrompidos, doenças enfrentadas, vocações redefinidas. Ao se reunirem em torno da mesa, transformam suas dores em tempero de vida, mostrando que o envelhecimento pode, e deve, ser um processo ativo, afetivo e intencional.
A solidão, tão presente na velhice de muitos, dá lugar ao afeto partilhado. A sensação de ser visto, ouvido e valorizado é alimento para a autoestima e a saúde emocional. E quando nos sentimos úteis, nossa alma desperta. Um propósito claro — seja cozinhar, cuidar, ensinar ou doar — é antídoto contra a apatia e a desmotivação.
Do ponto de vista da psicologia positiva, o filme ilustra elementos essenciais para o bem-estar ao longo da vida: propósito, conexões sociais, emoções positivas, engajamento, realização e legado. Esses elementos nos ajudam a compreender que longevidade não é apenas somar anos à vida, mas viver esses anos com vitalidade, autonomia e conexão.
Joe, ao fundar o restaurante, também encontra uma forma de superar seu luto. Ele não nega a dor, mas permite que ela o transforme. Conecta-se com a memória amorosa da mãe e da avó e, ao fazer isso, dá novo sentido à sua própria trajetória. A perda dá lugar à criação. A ausência se converte em presença simbólica. O amor que permanece torna-se motor de novos encontros.
As nonnas, por sua vez, mostram que ainda há tempo para ensinar, aprender, cuidar, oferecer. Que há beleza em envelhecer quando se está cercado de vínculos significativos. E que pertencimento é uma necessidade humana em todas as idades.
Enquanto cozinham, elas reconstroem pontes. Enquanto servem, também são servidas por algo maior: a certeza de que ainda têm muito a oferecer. Ali, entre as e lembranças, não apenas alimentam corpos, mas nutrem histórias e despertam futuros.
Nonnas nos lembra que o envelhecimento não precisa ser um capítulo final — pode ser um novo prefácio. E que, enquanto houver vínculos, histórias para contar e mãos para cozinhar, o tempo pode ser doce.
Porque, sim, à mesa não se envelhece. À mesa se celebra, se recomeça, se cura. À mesa se vive.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.